2006/07/12

Alvorada - parte 1

A mulher vivia um momento de desconfiança. Havia percebido que o comportamento do esposo tinha mudado, tanto quanto a rotina da casa. O soldador demonstrava a apreensão e ansiedade sempre quando perguntado sobre a vida na metalurgia.
Logo após o café, reunindo forças e coragem, decidiu abordá-lo. Com a desculpa de estar com o carro da empresa aguardando-o na porta de casa, Yuri, antes de se render ao cigarro das 6h, despediu-se da mulher com um beijo na testa. – Na volta conversaremos, prometo. Tenho que ir, disse entre as buzinadas do chofer que o aguardava na frente de casa.
Apressado e sem olhar para trás, partiu para a missão à qual nunca imaginara ter que enfrentar. Os poucos anos de estudo, a pouca fé em si e a crença que sua vida nada mais seria que uma simulação da felicidade não o haviam preparado-o para este momento.
- Você demorou tanto que eu pensei que ia desistir, saudou-o um muito amistoso Pedro.
- É bom que isto não me custe mais o que já me custou. Como é que você falou para o jornalista?
- Contei para “a” repórter tudo que você me disse. Keila trabalha para um jornal local, mas conhece gente graúda. Ela quer lhe conhecer!
- Você confia nela?
- Claro. Se não confiasse não teria namorado com ela por seis meses, replicou convidando o amigo para um sorriso.
A grande tensão limitou o olhar de Yuri à linha do horizonte. Abaixou o vidro e jogou o cigarro fora. O frio cortante anunciava mais uma tormenta. Nuvens adensavam-se no sudeste, confirmando a previsão da meteorologia. Olhando-se pelo espelho, não conseguiu se reconhecer. Sentiu um misto de remorso e arrependimento por ter mentido ao chefe e não estar indo ao trabalho naquele horário. Aquele era um dia especial. A esperança é que, ao menos, ao final da conversa, a vida voltasse ao normal. Algo de muito familiar surgiria naquele instante. O carro vermelho – que vigiou a sua casa nos últimos dias – despontara em alta velocidade.
- Temos companhia, resignadamente avisou ao colega motorista.
Aprumando-se ao volante, Pedro tentou transmitir confiança ao prometer uma contra-ofensiva: - Eles vão ver com que estão mexendo!
A noite insone, afinal, tinha suas vantagens. A exaustão física impedia qualquer reação passional. Restava-lhe apenas observar a perícia do colega na condução do veículo por becos mal iluminados e cheios de neve, ainda não recolhidas pelo trator.
- A nossa vantagem está na pista escorregadia, comentou o motorista com ares de piloto. Por muito pouco, quase respondera ao colega com uma expressão de alegria. Não por felicidade, nem por sarcasmo, mas por percebê-lo tão compenetrado na função.
A veloz conversão à direita parecia ser mais uma óbvia alternativa de fuga. Contudo, um providencial resíduo de óleo, associado à camada de gelo foi decisivo para que os perseguidores se chocassem com uma mureta.
A gargalhada triunfante de Pedro ecoaram no carro, sem contar com a adesão do co-piloto que, a esta altura, aninhava-se ao banco para pestanejar durante o resto do trajeto.

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