Vejam as dificuldades de um pesquisador da CAPES em Paris:
Pra minha família e meus amigos
As coisas aqui estão ainda devagar, embora já tenha passado a fase da ansiedade e angustia, (cheguei a baixar no hospital de urgência com uma forte dor na coluna e sem poder mover as pernas o que me deixou prostrado por três dias dentro de casa) O saldo disso tudo é que pude pensar que a morosidade não é por minha culpa – os colegas passaram a me contar historias escabrosas, de gente que ficou um mês ao sabor de resolver coisas pendentes. Então tenho confiança que logo tudo deverá se ajustar de alguma forma e não pode ser de outra maneira.
Até antes da “parada forçada” estava preocupado e ansioso em não ter ainda feito quase nada do que havia planejado e olha que já são quase vinte dias que estou aqui, correndo pra consulado, entregar credenciais em bibliotecas, encontrar outros pesquisadores, assistir palestras, resolver pendências e enviar documentos para a CAPES, obter documentação prá abrir conta no Banco do BRASIL aqui em Paris, onde a legislação é outra e pede documentos em profusão.
Ao conversar com as pessoas aqui é que fiquei vendo que essa pasmaceira e indefinição não é um problema só meu, mas de todo mundo que vem estudar aqui fora. Há casos de pessoas que ficaram um mês à deriva fruto da adaptação que nunca é fácil, do entender e de se ajustar ao novo cultural por conta da dificuldade de saber onde e o que comer, para que lado ir, o que e como comprar as coisas, arrumar um lugar para morar, para lavar roupa, descobrir o produto a usar, para a limpeza da casa, (pois é sou eu mesmo quem tem que lavar meus pratos, limpar o banheiro, a casa e lavar e passar as roupas).
Foi complicado até descobrir onde ficava a internet mais próxima da casa, onde ficava a escola, onde, como e qual o melhor metrô a pegar. Onde fica o correio, onde comprar envelopes, onde fica a farmácia - sem falar na greve dos transportes que durou um bocado de dias e me deixou totalmente inseguro. Agora há a ameaça de greve nas escolas.
São muitas as inseguranças e as saudades, como também as preocupações com as questões a resolver. Alem de as vezes não saber como me locomover, tem também o retraimento natural que queiramos ou não toma conta da gente num ambiente novo pelo medo de pagar mico ou fazer bobagens. Tem um ditado que diz : quando uma galinha entra num terreiro estranho ela nunca pisa com os dois pés”
Há uma diferença grande em vir aqui passar uma semana ou um mês e de vir com a perspectiva de ficar mais tempo (por mais que a gente tenha tomado todas (!!!!!!) as precauções. Só vendo prá perceber ou crer. As vezes pinta uma sensação de impotência, desamparo (coitadinho de mim) e tem dias que eu estaco que nem burro. Digo que não vou sair com a desculpa de que é porque vou ficar em casa preparando algum texto. O povo aqui já mostrou que isso “faz parte do script” e que na verdade é o medo de enfrentar “ a rua” o desconhecido. É proteção e que devo me desvencilhar dela o quanto antes. Já me ensinaram que lugar de estudar é na biblioteca. É La que alem de tudo a gente encontra as pessoas que passam a tranqüilidade prá gente e que nos informam das coisas que estão acontecendo na metrópole.
Depois de penar por 10 dias num hotel simples ( mas caro prá burro) consegui alugar um apartamento. Tive muita sorte pois Paris é uma cidade sempre lotada e com escassez de imóveis para alugar e quando se acha é CARISSIMO. Estou pagando os olhos da cara, mas é um apartamento agradável. Fica numa rua pequena, tranqüila, sem saida e perto de mercados, açougues, restaurantes e bares situados numa rua paralela. É também perto da Opera, da Igreja da Madleine, do Sacre Coeur e de uma série de atrações de Paris. E o melhor o metrô fica a 2 minutos a pé.
Agora já estou mais confortável. Já faço os roteiros de metrô com mais segurança, tenho os meus fregueses na padaria, no café da esquina, no açougue, na pizzaria mas, só não consigo mesmo é pegar ônibus pois prah mim ainda é complicado e tenho medo de ir parar na Conchinchina.
Só não estou achando agradável é lavar e passar roupa diariamente (trouxe pouca roupa e resolvi só comprar em último caso) O pessoal aqui anda muito arrumado e como eu trouxe pouca roupa, então todo dia é a mesma rotina, esfregar, torcer, enxaguar, estender e passar. As vezes o braço dói tanto que parece vai soltar do ombro, mas a dureza não acaba aí, pois tenho ainda que fazer compras e subir escadas com um monte de coisa no braço (estou criando músculos) e não posso esquecer de nada, pois senão vou ter que descer no frio e enfrentar a infernal escada. Tou ficando neurótico e às vezes me vejo ariando panelas e alimentando o desejo de vê-las brilhando que nem espelho. Ainda tem uns gerânios na janela que o proprietário me recomendou que eu não deixasse de molhar e de vez em quando eu me vejo perguntando a mim mesmo : Será que eu já molhei ? - Pois é; estou falando sozinho, certamente tou ficando louco.
Aliás, a loucura mesmo está mais evidente na rotina que me imponho com o medo de perder as chaves ou de descobrir que bati a porta do apartamento com elas dentro. A rotina de verificação das chaves me tira do sério. Tem também o celular - Já paguei um mico pois esqueci de desligá-lo numa palestra que eu estava assistindo. Estou pagando as minhas dividas na Terra. Sou eu quem faz a comida e o pior (!!!) ... eu sou também a cobaia de refeições preparadas com carnes compradas na “ intuição” , temperadas “no susto” com ervas que não conheço e suponho dar algum resultado tragável ) preparadas num tempo estimado à revelia e cujo resultado dá sempre algo salgado ou sem sal, de gosto estranho. O acompanhamento é sempre de arroz (ou batata) endurecidos ou cozidos em demasia – o que a gente costuma chamar de “papa” ou mingau. A técnica de comer consiste em engolir grandes porções alternando goladas de vinho e “distraindo as idéias” com a televisão ligada. Até hoje não tive vontade de repetir os pratos.
Voilá.....Essa é a vida de um solitário no exterior ....... c’ est la vie ..... como dizem os franceses.
Tem as compensações e uma dela é poder ver a cidade tomando o clima do Natal, as lojas e as ruas ganhando novas cores. A meteorologia avisa que vai nevar e estou na expectativa. Outra coisa é poder – na volta da escola - passar nas tendas e encher a sacola, de vinho, queijos, embutidos e chegar em casa, ligar o rádio (tem uma emissora que só toca jazz), provar de tudo um pouco, esperar que o vinho faça efeito e experimentar, tristeza, alegria,conforto, desconforto, agradecer a dádiva de estar aqui e depois cair no sono sem saber que horas ele chegou ......e só acordar prá calar o rádio que me fez companhia a noite inteira e eu nem tinha percebido.
No mais o doutoramento é uma atividade muito individual e solitária pois cada um pesquisa suas coisas sem quase nenhum contato com outros. Apenas nos eventos das Escolas é que a gente se vê. É nas conferencias onde tenho estado mais em contato com as pessoas e um fato que ficou bem claro prá mim é que ser bolsista da Capes e membro da Universidade dá um certo status, aumenta a credibilidade no “meio” e facilita as aproximações. Há muitos brasileiros e eles tem sido muito acolhedores. Conheci muita gente interessante e é nos finais das conferencias e palestras que essas oportunidades se fazem mais fortes, É quando sabemos dos eventos das dicas e novidades .
Como se pode ver, a minha vida esta se organizando aos poucos. Já iniciei um curso de conversação numa escola de Frances e a parte dura da pesquisa vai começar ser na próxima segunda. Por enquanto é o que tenho pra dizer e que saiu da minha cabeça sem qualquer revisão, pois alem de ser preguiçoso pra revisar o que escrever, acho que falei demais e deve ter um monte de erros e frases sem sentidos.
Confesso que tem horas que bate uma saudade danada como na última segunda –feira ao voltar prá casa e ver a lua cheia aparecer numa esquina entre prédios antigos. Eu estava cheio de luvas cachecol e roupas uma por cima da outra - no maior frio, com os dedos e o nariz quase congelados. Vendo aquilo grande lá no céu andei e andei a ermo até cansar, pensando no calor daí, na lua refletida no mar, na minha família e nos meus amigos e confesso fui dormir meio triste.
Um grande beijo
Ivo
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