2006/11/20

Carlos, o Escritor.

Drummond é o mais conhecido no meio poético. Mas há outro, não famoso, mas digno de registro. Carlos Alberto da Fonseca: Farmacêutico, Pesquisador, Professor, Avô, Caprinocultor, Pescador, Apicultor, Inventor, Contador de Causos.

Dos muitos papéis que Carlinhos, como foi perpetuado pelos seus amigos e familiares, desempenhou nos seus 78 anos de vida, o que preferia como síntese da sua existência era o de poeta, não de menor ou maior brilho do que qualquer outro, pois era homem de poucas ambições.

Vivia como um passarinho, numa simplicidade singular. O bom humor era sua marca registrada. Sempre tinha um causo novo para contar, ou uma palavra alegre para amparar a um pobre vivente.

Rivalizou com grandes humoristas no dom de contagiar e iluminar as pessoas com conversas espirituosas. Tornou-se célebre o comentário de que, no período da longa estiagem na sua fazenda, em Itaberaba, os porcos comiam umbu e pranteavam por antiácido para combater a acidez do fruto do agreste...

Como muitos, teve as alegrias e as tristezas de uma vida sem extravagâncias. Como poucos, teve ao seu lado pessoas que o admiraram, amaram e o reverenciavam como um homem feliz por se manter sempre digno e alheio as ilusões da vida, como bem recomendava o seu pai.

Mesmo dispondo de uma série de contos e poemas não publicados, foi como Professor da Faculdade de Farmácia e pesquisador que ele deixou a sua maior contribuição à sua amada terra.

Após muita luta da sua companheira de todos os momentos, Aladia, obteve o apoio do Governo do Estado para editar o primeiro livro: Plantas Medicinais da Bahia. Resultado de trabalho meticuloso ao longo de décadas de pesquisa, o título deverá ser uma obra de referência não só para pesquisadores, mas também para o grande público.

Espera-se que com a edição do primeiro livro, a sua rara habilidade em se fazer ciência de forma aguda e engajada, que o credenciaram como expoente no estudo da Farmacognosia, possa também ser apreciada nos dois volumes seguintes que compõem a obra, bastando apenas a renovação do compromisso por parte dos editores.

Após cinco meses de uma grave enfermidade degenerativa, a vida ficou pequena para Carlinhos. Ele partiu para uma nova jornada no último dia 16, sem esperar o raiar do novo dia para seguir seu caminho. Ele que sempre se aventurou pelas estradas para estar ao lado das suas amigas abelhas e cabras, cumpriu seu estágio. Levou marcas desta vida e deixou outras indeléveis nos que sentem muito a sua partida.

Talvez como tributo ao escritor que se propõe versar no campo da formação de pessoas, a providência tenha agido no momento da despedida. Um velho veículo, uma Santana Quantum, placa JNJ 6108, vendido anos antes a particulares, curiosamente, foi o carro designado pelo serviço fúnebre a levar seu corpo para o velório. Ao saber que o transladado seria o antigo proprietário, o condutor jurou ao ilustre passageiro: “-Não se preocupe, Doutor. Vou dirigir a jóia direitinho...”. Mera coincidência ou não, o causo ficará registrado como mais um da rica coleção de Carlinhos, o eterno!